Ando recolhida. Coloquei junto a mim uma xícara de café, algumas músicas suaves, revirei minha estante em busca de livros que me trouxessem paz e fechei a porta do meu quarto por tempo indeterminado ou até eu me cansar da minha presença.

Alterando entre momentos de pura monotonia com epifanias que me parecem genias por quase um segundo, vou permanecendo em minha reclusão. Até me vir algumas questões. Por que se recolhe? Do que se esconde? É uma fuga necessária ou exatamente o que eu precisava para repensar coisas que vinham me incomodando há tempos? É o momento de sair do entorpecimento e tentar encontrar respostas ou somente colocar pra fora o que pesa aqui dentro?
É peso ou drama?
É drama ou hora de impor minha vontade? Dizer não ao que não concordo, falar do que não me satisfaz, não me representa e que eu considero abusivo?!


...


Me sinto deprimidamente reprimida.
Me deprime o quanto eu tento seguir padrões em que não me enquadro. Me deprime o fato de eu querer segui-los ainda assim.
Reprimo minha vontade de não ser simpática com pessoas que não me agradam num primeiro momento. Me sinto reprimida por ter que dosar a quantidades de queridos e queridas que tenho vontade de 
dizer àqueles que gosto.
Me deprimo com a quantidade de maldades que leio todos os dias nos jornais. E me sinto deprimida quando percebo que alguma maldade também não me escapa por vezes. 
Reprimo minha vontade de fazer justiça com as próprias mãos pela inviabilidade disso. E me sinto profundamente reprimida quando não escutam os meus e os dos demais, pedidos de liberdade.

Me deprimo ao perceber que a maioria dos que vivem aqui, ali, lá, não terão um futuro de igualdade, liberdade e fraternidade, tão alardeado pela revolução francesa. Me deprime meu futuro incerto.
Reprimo o que eu realmente queria fazer da minha vida, pela incapacidade dos fatos. Me reprime que a grande maioria também não possa ser/fazer.

Me deprime a incapacidade das pessoas fazerem bonito o seu amor, me deprime a não solidez com que dizem amar. Desde que o "ficar" substituiu o sentido de "corte", dos gracejos, das serenatas embaixo das janelas, me deprimo facilmente com a fluidez dos pseudos-relacionamentos.
Me reprimo o toque daquele que não conheço - e aqui abro uma questão, de como me sinto reprimida pelos outros por Não mais me contentar com os toques que não me deixam marcas, as boas -
Me sinto para alem de reprimida, quase que ultrajada, quando me impõem regras de conquista, um manual de como agir e não de como sentir, numa eterna busca do aprisionamento do outro por subterfúgios psicológicos,daqueles manuais de conquista de revista feminina. Reprimo meus sentimentos daqueles que esperam que eu aja assim.  

E finalmente, só espero que não morra deprimidamente engasgada!  


“quando lemos sobre uma bruxa sendo queimada, uma mulher possuída por demônios, uma mulher sábia vendendo ervas… acho que estamos olhando para uma escritora perdida, uma poeta anulada.” Virgínia Woolf 

Existem no meu lugar,
eu sinto.
Não consigo ver porque não mais existo,
mas eu sinto.
Existem!

E aos poucos você vai perdendo seu reflexo no espelho do outro, no princípio é um leve e quase não aparente esmaecimento, como quando ao acordar, seu primeiro pensamento desfoca do outro e você só lembra cada vez mais tarde no dia. Antes era assim que abria os olhos, depois passa a ser daqui 1 hora, depois do almoço, meio da tarde até chegar o momento que você fica dias sem lembrar.
Aquela vontade de saber como foi o dia do outro, passa ser a vontade de saber como foi a semana, depois a quinzena, o mês, até que por fim acha melhor nem saber. Então você fecha os olhos e a imagem desfoca, você demora pra enxergar os detalhes, busca uma foto e daí se lembra - aah era assim os detalhes de seu rosto


No princípio a vontade do toque era latente. As mãos, ávidas, iam sempre de encontro das mãos do outro. Andar na rua de mãos dadas era algo de extrema importância para guiar o caminho, sem o enlace das mãos você sentiria perdida na multidão. As mãos na outra me tornava crível. Até que as mãos já não procuravam as do outro, elas começaram a se procurar cada vez mais raramente ao andar pelas ruas e sem saber o que fazer com elas, procurava meus bolsos, ou cruzava os braços, na tentativa de não demonstrar a falta que o enlace nos dedos do outro faz. 
Você percebe que se tornou invisível, quando os olhares que trocam já não são mais olhares e sim piscadelas. No inicio olhar o outro é o mesmo que se prender no outro, como quando se olha algo tão bonito que a vontade é de não piscar para não perder nenhum detalhe. Tudo tem que ser apreendido minimamente, conta-se as pequenas marquinhas no rosto, sabe a localização de cade pêlo, cada pintinha.Percebe-se que sua imagem está esmaecendo para outro quando o olhar que recebe vem desviado, ao falar com você é mais interessante olhar pro que está acontecendo do outro lado da rua e quando por fim você recebe um olhar no tempo de uma piscadela, ele vem com uma névoa e não dá mais para perceber o que está por trás dele.
Finalmente você acorda uma dia e ao se olhar no espelho do outro não vê mais sua imagem refletida. Você se remexe, tenta limpar o espelho, coloca sua roupa mais brilhante e nada é refletido. Você espera com aparente (e mentirosa) calma que o espelho tenha dado somente um pequeno defeito e volte a sua função primeira - a de refletir - mas o tempo passa e nada acontece, nem um vulto do que você era antes aparece. E o tempo passa..
E o tempo passa..
Até que você ainda olhando naquele espelho na esperança de se ver, começa a formar uma imagem, no início é só um contorno de uma imagem, desfoca, vai focando, a imagem vai ganhando mais contorno, mais brilho. Você não tira os olhos dali, e o tempo passa..
A imagem se forma.
Não é mais você refletida ali!