E aos poucos você vai perdendo seu reflexo no espelho do outro, no princípio é um leve e quase não aparente esmaecimento, como quando ao acordar, seu primeiro pensamento desfoca do outro e você só lembra cada vez mais tarde no dia. Antes era assim que abria os olhos, depois passa a ser daqui 1 hora, depois do almoço, meio da tarde até chegar o momento que você fica dias sem lembrar.
Aquela vontade de saber como foi o dia do outro, passa ser a vontade de saber como foi a semana, depois a quinzena, o mês, até que por fim acha melhor nem saber. Então você fecha os olhos e a imagem desfoca, você demora pra enxergar os detalhes, busca uma foto e daí se lembra - aah era assim os detalhes de seu rosto


No princípio a vontade do toque era latente. As mãos, ávidas, iam sempre de encontro das mãos do outro. Andar na rua de mãos dadas era algo de extrema importância para guiar o caminho, sem o enlace das mãos você sentiria perdida na multidão. As mãos na outra me tornava crível. Até que as mãos já não procuravam as do outro, elas começaram a se procurar cada vez mais raramente ao andar pelas ruas e sem saber o que fazer com elas, procurava meus bolsos, ou cruzava os braços, na tentativa de não demonstrar a falta que o enlace nos dedos do outro faz. 
Você percebe que se tornou invisível, quando os olhares que trocam já não são mais olhares e sim piscadelas. No inicio olhar o outro é o mesmo que se prender no outro, como quando se olha algo tão bonito que a vontade é de não piscar para não perder nenhum detalhe. Tudo tem que ser apreendido minimamente, conta-se as pequenas marquinhas no rosto, sabe a localização de cade pêlo, cada pintinha.Percebe-se que sua imagem está esmaecendo para outro quando o olhar que recebe vem desviado, ao falar com você é mais interessante olhar pro que está acontecendo do outro lado da rua e quando por fim você recebe um olhar no tempo de uma piscadela, ele vem com uma névoa e não dá mais para perceber o que está por trás dele.
Finalmente você acorda uma dia e ao se olhar no espelho do outro não vê mais sua imagem refletida. Você se remexe, tenta limpar o espelho, coloca sua roupa mais brilhante e nada é refletido. Você espera com aparente (e mentirosa) calma que o espelho tenha dado somente um pequeno defeito e volte a sua função primeira - a de refletir - mas o tempo passa e nada acontece, nem um vulto do que você era antes aparece. E o tempo passa..
E o tempo passa..
Até que você ainda olhando naquele espelho na esperança de se ver, começa a formar uma imagem, no início é só um contorno de uma imagem, desfoca, vai focando, a imagem vai ganhando mais contorno, mais brilho. Você não tira os olhos dali, e o tempo passa..
A imagem se forma.
Não é mais você refletida ali!  

2 comentários:

Adorei o texto, senti falata dele ser um pouco mais lúdico nas descrisções das situações, tipo:
"No princípio a vontade do toque era latente. As mãos, ávidas, iam sempre de encontro das mãos do outro." como a gravidade dos planetas, ou o magnetismo dos imãs, ou qualquer outra metafora dentro do seu universo. Parabéns!!

Obrigada pelo comentário e pela dica, mas pq anônimo?? Agora fiquei curiosa sobre quem "me" leu..rs

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