Essa semana foi cercada de polêmicas no setor acadêmico. A VEJA publicou uma reportagem bombástica (e um tanto quanto duvidosa) à respeito das reservas indigenas e quilombolas. Meus professores, como não poderia deixar de ser, demonstraram sua indignação quanto ao que foi dito pela revista. Segue abaixo o link da matéria, o email que recebi sobre e meu humilde email em resposta ao meu professor de antropologia:


(Email e link com a matéria, respostas, réplicas e tréplicas)

Prezad@s,
A Revista Veja publicou, em sua edição 2163, artigo intitulado "A Farra da Antropologia Oportunista". Mais uma peça da já longeva campanha da grande imprensa contra as políticas de reconhecimento dos direitos territoriais de minorias étnicas, a matéria vem a público no momento em que Cezar Peluso, ministro do STF, distribui para julgamento seu relatório da ADIn 3219, que questiona o decreto nº 4887/2003, considerado um avanço na política de garantias territoriais para comunidades quilombolas.

O NAPP reúne, neste dossiê, a íntegra da matéria da Veja, as respostas dos antropólogos Mércio Gomes e Eduardo Viveiros de Castro, citados pela revista, a réplica da revista a Viveiros de Castro e sua tréplica, e as notas da ABA e de sua Comissão de Assuntos Indígenas. Disponibiliza, ainda, os textos de Eduardo Viveiros de Castro (citado pela Veja em sua réplica), de Kelly Oliveira, em comentário à matéria, de André Videira de Figueiredo, sobre o tratamento da questão quilombola pela grande imprensa brasileira, bem como a análise da matéria jornalística feita pelo blog Savoir-Faire. Ao final, anexamos o dossiê Imprensa Anti-Quilombola, produzido pelo Observatório Quilombola, de Koinonia.



O Dossiê está disponível em http://sites.google.com/site/nappufrrj/dossies/revista-veja


(Meu email de resposta)

Li a reportagem da VEJA com o coração limpo de quaisquer opinião pré formada com o assunto e a revista. E tenho que admitir que dessa vez ATÉ eu fiquei chocada com a forma com que essa revista expos sua opinião quanto ao tema. Resposta e tréplica impecavel do prof Viveiros de Castro. VEJA realmente usou e abusou de artificios jornalisticos para nos fazer crer que tais palavras tinham realmente saido da boca do professor. Porém (sempre tenho um porem..) De todas as respostas publicadas pelos diversos orgãos/entidades ou o que for que rebateram tal reportagem, ainda me ficou a dúvida de ambos os lados, tanto quanto o que a revista afirma e usa como artificio de prova, fotos e supostos depoimentos de tais beneficiados e quanto dos que rebateram, em especial a ABA que enaltece seus antropólogos mas não desmente um a um tais supostos depoimentos sobre cada um dos locais citados.
Não tenho a intenção de retificar o que a VEJA afirma, até porque não tenho opinião formada e embasada para tanto ainda (tentando colocar meus gostos e preferências de forma imparcial no caso), mas algumas coisas que ela afirma me chamaram a atenção. (o que também me causa muita dúvida devido ao que ela fez, de colocar "palavras na boca" de Viveiros de Castro de forma descarada) mas ainda sim, me causam coceirinhas de dúvidas.
- Quanto ao que ela afirma de ter 77% do território ocupado com reservas ( esse numero me causou mt estranhamento)
- Quanto aos antropólogos que fazem laudos serem de ongs desses mesmos locais ( não podemos ser ingênuos e  descartarmos corrupção)
- Quanto a locais de assentamento de reforma agrária serem desapropriados pelas reservas.
- Quanto a desapropriação de fazendas em atividade e empresas que geram lucro e emprego para os cidadãos locais.
- Quanto a escola exclusivamente para os indios e quilombolas ( os demais moradores não merecem escolas também? E não me diga que há escolas, pq sabemos que nesses locais elas são precárias e mt distantes)
- Quanto a segurança exclusiva nas reservas ( os demais moradores não merecem tal segurança também?)
- E sobre a parte final do texto do prof Viveiros de Castro:

"Nós antropólogos devíamos nos orgulhar do fato de que o Brasil de hoje está cheio de comunidades querendo ser indígenas. E devemos nos orgulhar, entre outras coisas, porque contribuímos para reavaliar, dar um outro valor, à noção de “índio”. Hoje a população urbana do país, que sempre teve vergonha da existência dos índios no Brasil, está em condições de começar a tratar com um pouco mais de respeito a si mesma, porque, como eu disse, aqui todo mundo é índio, exceto quem não é."

Me levou a um outro indagamento: Será que, apesar de "ser bonito", não ter vergonha de se declarar indio (afinal que vergonha há nisso?) alguns assim se declaram pelo simples fato de poder usufruir dos direitos conquistados por ele? ( pq, mais uma vez, não podemos ser ingênuos e pensar que todos que assim se declaram são únicos e exclusivamente pela defesa, manutenção e não desaparecimento de sua cultura, e não por querer usufruir da terra e das Lulas-bolsas!)
Discordo da VEJA em muitos pontos, mas ainda me causa uma certa inquietação e não convencimento todas as respostas e réplicas e negações a tudo o que ela disse. Sobretudo pq ainda não encontrei algo ou alguém que me convencesse de fato de que, cito novamente Viveiros, afinal, se somos todos indios, pq TODOS não temos os mesmo direitos a terra e bolsas e seja mais lá o que exista? ( o conceito de devolução e tentativa de concertar o erro cometido por nós antigamente nao me agrada, pq ai teriamos tb que estipular quem são esses "nos", já que o indio é indio por simples declaração de se sentir um, eu tb nunca me senti uma senhora de terras, nem colonizadora nem nada disso, logo tb não quero e não pertenço a esse "nos" que fez mal aos indios e aos negros e portanto não devo nada a eles e nem tenho que "desculpar". Me sinto na verdade, brasileira, que tem no sangue negros, indios e senhores de engenho, e o qual devido a grande mistura de tais, não sei me definir por isso e por aquilo, somente me sinto brasileira, e como tal quero ser tratada, sem ser denegrida por essa ou aquela cultura, e nem portanto deixada de lado de qualquer merecimento que elas sentirem ter e que o governo dê a elas! Eu tb quero então, oras!)
Esse email era pra ser só uma poucas palavras, mas quando fui escrevendo, me vieram várias outras dúvidas e mais dúvidas..Não me sinto certa, nem minha intenção com isso é de que penso estar 100% certa. Me sinto em cima do muro, ora maravilhada pelas ideias de um grupo, ora tendenciando pelas do outro. Talvez estejam ambos certos e errados e possamos tirar o melhor de ambos e descartar o que não cabe mais nos dias de hoje..


(Email de resposta ao meu do meu professor)

Marina,


na verdade são muitas dúvidas para serem dissipadas em uma resposta de email, mas estamos aí pra ir dissipando elas em um processo longo... mas aí vão alguns apontamentos, pela ordem das suas dúvidas:

1. Quanto ao percentual indisponibilizado para "atividades produtivas" (que a matéria estima em 90% do território nacional), duas coisas: (a) é curioso que a revista considere como indisponível para atividades produtivas terras de índios e quilombolas, que produzem em suas terras, e terras de reservas, que incluem algumas formas de preservação que permitem a produção; me parece, que na verdade, ela está falando (e logo defendendo) das terras reservadas aos grandes produtores, e logo é este o grupo que a revista, como "empresário moral" (olha o Becker aí, gente!) está representando. Neste caso, o interesse da revista nã o é garantir o "emprego dos locais", mas o lucro dos grandes empreendimentos. É o que lhe faz ser contra o aumento de territórios quilombolas, mas também de assentamentos rurais. (b) tais estatísticas são descarada e criminosamente fantasiosas; pra isso, dê uma olhada na cuidados e brilhante análise feita pelo Barbi no "A Farra do Jornalismo Oportunista" (o link tá no dossie).



2. Quanto à relação entre antopólogos e ONGs, antrolopogia e laudos, etc, essa é uma polêmica antiga. Na verdade, este é um campo de análises (o de quilombos, ao menos) que emerge da atuação dos antropólogos junto às comunidades locais. Ora, esta atuação, obviamente, não é apenas acadêmica, mas implica uma posição política. Essa é uma especificidade epistemológica das ciências sociais. Se eu faço um laudo médico, minha "objetividade" não é contaminada com minha posição política em relação a células e tecidos... não há uma relação intersubjetiva entre o perito (o médico) e o objeto do laudo. Esse não é o caso, óbvio, das ciências sociais. Os primeiros antropólogos eram funcionários dos governos colonialistas - Inglaterra e França. Estavam no campo pra gerar subsídios para a dominação da Europa sobre África e Ásia. Mas continuamos a lê-los, não? Durkheim escrevia para reformar a sociedade. Marx, pra fazer a revolução. Não existe cientista social isento politicamente em relação a seu objeto; o que não significa que não façamos ciência, e que não a façamos com rigores teóricos e metodológicos. Agora, corrupção pode acontecer até com laudo médico; posso comprar um pra atender aos meus interesses em processar alguém, por exemplo. Estar ou não ligado a uma ONG que trabalha com o tema dos quilombos (o meu caso, por exemplo) não é o que determina se o antropólogo está sendo honesto ou não. Ele pode, como qualquer profissional no exercício de sua profissão (o médico do nosso laudo), estar sendo desonesto, ou seja, torcendo os argumentos teórico-metodológicos pra satisfazer a algum interesse objetivo, ou criando dados, porque pago para isso. Será preciso que se aponte casos consistentes disso, e que se puna qualquer profissional que exerça de forma antiética sua profissão. Agora, atrelar a atuação das ONGs a uma suspeita generalizada sobre os antopólogos que trabalham com índios e quilombos é perpetuar um medo imbecil e infundado da "invasão estrangeira das ONGs", alimentar a ignorância e desrespeitar toda uma categoria de profissionais; neste sentido, a posição da ABA é corretíssima.



3. Quanto aos direitos especiais de índios e quilombolas, escola, por exemplo, mas também políticas de cultura, de desenvolvimento, etc. O pressuposto disto não é que só esses grupos mereçam escola; ou que se esteja purgando a culpa colonial, da qual os "breancos" são responsáveis. O pressuposto é o do multiculturalismo: o de que certos grupos, hoje, apresentam a dupla condição de serrem brasileiros, como todos (e portanto dividam com o resto da nação estilos de vida e direitos), mas apresentem certas especificidades, que demandam direitos especiais. Pense na educação indígena: demandam o mesmo acesso à educação que todos os brasileiros, mas algumas específicas, como ensino da língua original ou abordagens da história não-eurocêntricas. Esse não é o direito de quem tem mais sangue indígena, não é biológico ou se deva ao passado, mas é um direito de bases culturais, e que tem a veer com a condição presente. Por isso Viveiros de Castro faz o trocadilho: no Brasil todo mundo é índio (todos temos essa ascendência), menos quem não é (são indios aqueles que vivem como índios, ou seja, para quem essa pertença seja importante). E o que ele está comemorando é o fato de que isto deixou de ser uma marca negativa (e o foi, durante muito, muito tempo) e passou a ser motivo de orgulho. Isso é um ganho, ou não?

Isso é uma resposta rápida. No mais, esses temas são temas para serem levados pras suas aulas. São temas caros a nós, cientistas sociais.

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